sábado, 15 de outubro de 2011

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Design Inteligente, Criacionismo Científico, Neodarwinismo e o Ateísmo; (O que mais se coloca nestes títulos apenas para dar um ar sensacionalista?)

Sim, a idéia é pôr, de fato, o dedo na ferida. Não o dedo-mindinho, mas o polegar mesmo. E de preferência o do panda.

Falar, escrever, discutir, debater, argumentar, até pensar sobre o design inteligente é motivo de sobra para horas de discussões, algumas caras feias, outras caras de espanto, término de amizades, tensões em relacionamentos e, por fim, não chegar a lugar algum. Ou mesmo não finalizar a conversa. Mas, sendo este um blog de divulgação e discussão científica, e que tem como interesse maior do redator o falso conflito ciência x religião, pelo menos comentar a respeito é inevitável. Absolutamente.
Para abordar o design inteligente (e escrevo "design inteligente" porque só o termo “criacionismo científico” já me dá arrepios) tinha já pelo menos três pilotos em meus rascunhos, mas optei por reproduzir um texto de meu professor, publicado no Jornal da Ciência em 2002. Com permissão do autor:


JC e-mail 2130, de 30 de Setembro de 2002.

Design Inteligente: ignorar o problema não vai fazer com que ele vá embora, artigo de Marcio Pie

“Não há uma forma positiva de se detectar o designer, isto é, não há algo que possamos observar que o acusaria. Somente a nossa incapacidade de explicar um dado fenômeno seria evidência de DI”

Marcio Pie é doutorando em Ecologia, Comportamento e Evolução pela Boston University, EUA. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”

"Estamos presenciando atualmente em Dover, Pensilvânia (EUA) a mais nova tentativa do movimento do "Design Inteligente" (DI) para tornar-se parte do currículo de escolas secundárias, desta vez através de uma batalha judicial.

É interessante notar que esse movimento encontra adeptos até no Brasil (como podemos perceber de tempos em tempos no próprio JC). Durante os depoimentos do julgamento de Dover, Michael Behe, um dos principais proponentes do DI e autor do livro "A caixa preta de Darwin", demonstrou a ginástica mental necessária para podermos considerar DI como ciência.

Como alguns poderiam imaginar, ele mudou a definição de ciência que é usada rotineiramente por cientistas.
O advogado que o interrogava, astutamente, perguntou-lhe se, dentro de sua definição, a astrologia seria também considerada ciência. Behe teve que concordar (os depoimentos estão disponíveis online).
Contudo, apesar de tanta repercussão na mídia, poucos cientistas sabem o que propõe o movimento DI. O meu objetivo com o presente texto é abordar três questões: o que é DI? Por que DI não é ciência? Seria DI o resultado de uma teologia equivocada?

Responder o que é DI é como tentar acertar um alvo móvel, mas imagino que a seguinte definição de DI agradaria a maior parte de seus proponentes: a ciência em geral (e a teoria da evolução em particular) não consegue explicar vários fenômenos.
Isso indicaria que algum "designer" interferiu na ordem natural das coisas para permitir que esse fenômeno acontecesse.

A forma de detectar a influência do designer não está clara em nenhum exemplo prático, embora já disponham de nomes bonitos como o "filtro explanatório de Dembski", “complexidade irredutível” e "complexidade especificada".

Finalmente, a identidade do designer não é determinada, o que deveria dar um ar de não-religiosidade à empreitada. Há inúmeros obstáculos para considerarmos DI uma abordagem científica:

(1) Não há uma forma positiva de se detectar o designer, isto é, não há algo que possamos observar que o acusaria. Somente a nossa incapacidade de explicar um dado fenômeno seria evidência de DI. (Posso imaginar a justificativa em meu próximo artigo a ser submetido: "o modelo apresentado no presente estudo explica 80% da variância nos dados, sendo que para os 20% não explicados pelo modelo eu invoco a influência de algum designer não especificado.");

(2) não há nenhuma proposta sobre os mecanismos que esse designer usaria para influenciar os fenômenos estudados (como admitido pelo próprio Behe em seu depoimento);

(3) A abordagem do DI não faz previsões que podem ser testadas. Em particular, não podemos saber de antemão onde poderíamos encontrar evidências de design - a "previsão" de onde haveria design é sempre feita a posteriori.

Em suma, DI afirma que um designer não especificado, através de um mecanismo não especificado, afeta vários fenômenos não especificados. Mas isso não impede os seus proponentes de afirmar que há evidências de DI em todo lugar: na explosão do Cambriano, no processo de especiação, no sistema de coagulação sanguínea, na estrutura do flagelo bacteriano, etc.

Recentemente os proponentes do DI apontaram 300 cientistas que apóiam a abordagem do DI. Curiosamente, apesar de tanta gente, não há um único artigo publicado em uma revista científica suportando ID (a não ser um artigo obscuro publicado no Proceedings of the Biological Society of Washington que passou pelo crivo dos referees mesmo não apresentando nenhum dado original).

Essa falta é explicada invocando uma grande conspiração dos cientistas para esconder a verdade sobre ID, um argumento bastante convincente nos círculos leigos (afinal de contas, quem não gosta de uma boa teoria da conspiração?).

Teologicamente, DI é uma reedição de um conceito antigo, o argumento do "Deus dos buracos". Não sabemos como algo funciona, ergo, isso é evidência de Deus.

Vários teólogos ao longo dos séculos combateram a idéia de chamar nossa ignorância de “Deus” como má teologia, visto que, pela visão bíblica, Deus sustenta e interage com a Criação continuamente, não somente em alguns poucos momentos de design.

Além disso, um Deus que precisaria constantemente “remendar” seu design original de tempos em tempos para que ele funcionasse não se parece com o Deus onipotente bíblico.

Finalmente, alguns conselhos práticos para cientistas ao se depararem com essas questões.

Primeiramente, é importante lembrar que os proponentes do DI representam uma pequena minoria entre os cientistas cristãos (embora estejam entre os que mais fazem barulho).

Há uma variedade de pontos de vista, incluindo os que sugerem que o processo evolutivo seja o mecanismo usado por Deus para criar o homem, como Francisco Ayala, Ghillean Prance e Francis Collins (diretor do projeto genoma humano do NHGRI).

Uma fonte útil de informações nessa área é a American Scientific Affiliation (http://www.asa3.org/). Além disso, é imprescindível lembrar que os leigos que ingenuamente simpatizam com DI geralmente o fazem por ignorância de como a ciência funciona.

A forma mais eficiente de esclarecer essas questões é através da educação científica e não através da ridicularização, a qual não só é contra-produtiva como também acaba corroborando a visão equivocada de uma “batalha” entre fé e ciência."

Prof. Dr. Marcio Pie,
doutorado em Ecologia, Comportamento e Evolução pela Boston University, EUA (2007)